Reflexotramas: sarau

 

A CHAMADA: REFLEXOTRAMA: trama poética-estética.

Silviane Lopes, Rossana Cilento e Alexandre Heberte convidam para nova

Ambiência-urdida para tramas coletivas: prosa, poesia, citação, pensamento, canção, pensamentos e reflexões. Todos, todas, todes convidados para se expressarem conosco.

Arte: Silviane Lopes


 

Ô de casa, com licença para entrar na casa de vocês!

Casa-lar, casa-pensamento, casa-coração. Zoom. 


Foto Silviane Lopes


Primeira sexta-feira de julho de dois mil e vinte um, éramos veteranos de primeira live e outros mais novos participantes em entrelaços. “Estamos sempre em trânsito, de passagem por cada movimento proposto. Camadas de continuidade e descontinuidade. Avantes! 

Rossana Cilento, Silviane e eu além de felizes, estávamos também ansiosos para viver as horas programadas: poesia, prosa, canto, pontos, contos, causos – o que viveríamos?

 

Reflexotramas é casa sem portas, escola sem muros. É grande sala, quarto, cozinha, varanda, chão; com sofás confortáveis, rede de dormir armada, cadeiras de balanço. Começa assim, toca o despertador do compromisso, se escolhe melhor espaço para aparecer, liga aparelho de smartphone, clica no link do zoom – espera conexão abrir caminhos, pronto; casa aberta para escutatória.

 


Não tínhamos nada muito roteirizado. Combinamos assim: Silviane faria função de aceitar participantes, dar as boas-vindas. Rossana e eu, nos revezaríamos no exercício de sentir, ouvir e costurar as falas. Tínhamos ainda cada, um texto preparado para leitura, como fizemos na Reflexotramas anterior. Acabou que só a Rossana Cilento o fez. Também havíamos combinado que leríamos tempos de conjugação dos verbos Tramar e Refletir, enquanto os participantes estivessem chegando. Assim fizemos.

 

 

A poesia veio tramada de seiva, matéria viva de cada participante.

O canto se fez de memórias

As imagens foram sendo construídas a cada voz.

Depoimentos, fios de intimidade, revelações, segredos, inquietações, dúvidas, sugestões, leitura de texto, mais poesia – mais afeto! Poesia da alma.

 

A casa foi ficando bagunçada de alegria; por mais que no zoom seja importante uma fala por vez para se ouvir melhor, parecia que a conversa rolava solta entre todos, como um grande burburinho de festa divertida, festa que não deixa ninguém abandonado pelos cantos. Festa real, mesmo que ainda no virtual.

 

Ritual das tramas, sarau de pensamentos tecidos; como traduzir um evento tão potente como esse?

 

Dez dias se passaram desde sua realização. Hoje, dia 13 de julho, noite de terça-feira, sento no computador para escrever, transcrever, documentar Reflexotramas: sarau. Como fazer? Transcrever síntese de tudo que foi dito. Olhos para as anotações. Procuro sentir novamente as reverberações da noite! Então, entendo que não vou dar conta de tanta beleza e poesia juntos, que não sei ainda colocar em palavras tantos gestos de confiança e partilhas; penso em reflexotramas como casa abrigo, trama-casulo, abraços de lã. E agora, o que faço, que posso escrever nesse post que esteja à altura da lives e de todas as participações lindas?

Desisti de escrever minhas anotações, como fiz no post anterior. Quero que vocês mesmos descubram o que cada participante falou, trouxe e expressou. Duas opções: você pode escolher se contentar com essas palavras aqui ou assistir vídeo da live. Mas já aviso: o vídeo é longo, a live durou quase três horas. Dizem que ninguém hoje em dia ver vídeos com mais de três minutos. Parece que sim. Aceita desafio? Será que devo jogar a responsabilidade em que me lê, pedir para vocês assistirem a live, depois me dizer como se faz? Nesse urdume atual em que me encontro 22:03:33 segundos, o rosto sorri! Tive uma ideia.  Conto logo abaixo.


Para quem puder assistir nossa performatividade poética

 

Ao invés das anotações, a ideia é apresentar outra camada do evento: 

o chat é uma festa!

 

Mas o que acontece com o Chat, quando a festa acaba? Para onde vão as palavras, as intenções, os gestos, os laços??? Quem volta a lê o que se passou no chat ou para que serve uma segunda leitura?

 

Para reler coisas linda de viver, tais:

No minuto 22:01:37, a Sandra Leite, diz: “o reflexotrama está virando agbalá, um lugar continente...” ou “22:28:05 escreve a Michelle Cruz: “Amei esse encontro, foi renovador para mim! Me fez sentir que a LINHA que estou seguindo faz MUITO sentido. Gratidão”.

Para reativar matéria tecida e ser transportado novamente, noutro tempo e noutra energia, ser sensível aos estados dos momentos “quando se deu”, “quando se está”, entrelaçar, embaralhar tempos futuro, passado, presente numa coisa só. O que acontece com os livros, palavras, frases, pensamentos, quando lemos uma, duas, três, quatro vezes?

 

 

Performatividade do chat Reflexotramas: repertório natural das manifestações de afeto, no calor das tramas que nos atravessam.

 

19:30:23        Leydianne Gonzaga: que lindo 

19:35:12        Leydianne Gonzaga: eu falo da Paraíba 😍 

19:36:09        Leydianne Gonzaga: risos. 

19:36:11        Vera Malaco🎶🎵: São Paulo capital 

19:36:33        Michelle Cruz: Estou em Monte Mor, interior de São Paulo, 18ºC. 

19:36:34        Ana Fontanelli: São Paulo – Capital 

19:36:36        Rita da Costa: Rita da Costa, Bombinhas SC 16 graus hehehe. 

19:37:24        Gloria Correia: eu falo de Realengo RJ 18° 

19:37:29        Sandra Leite Fortaleza CE: Sandra Leite Fortaleza CE 

19:37:46        Cristina: de São Paulo Capital, 17 graus 

19:37:52        Rossana Cilento: Tupã SP 21graus 

19:38:07        Ruth Vásquez: Boa noite a todos! 

19:38:12        Juliana Bolini: Aqui 18! 

19:38:15        Ellen Dias: Eulina e Ellen de Teresópolis, 6 graus C 

19:45:05        Leydianne Gonzaga: minha primeira vez aqui 

19:45:15        Leydianne Gonzaga: peço licença 

19:45:36        Solange Soares: Vou me ausentar uns minutinhos 

19:46:19        Michelle Cruz: Eu também não estava no primeiro evento.

19:50:00        Ana Paula Trindade de Albuquerque: Boa noite! 

19:59:49        Alexandre Heberte: Bem-vindo todos, todas e todes 

20:00:28        Claudia: boa noite a todos! 

20:02:12        Rita da Costa: Alexandre é um evento.um bailarino dos fios.

20:04:30        Solange Maria Soares de Almeida: Lembrei de Lampião e os homens de seu bando que bordavam suas próprias vestes. 

20:05:32        Parísina Ribeiro: Os homens costuram, bordam, tecem desde sempre. 

20:13:14        Solange Soares Almeida: Que lindo! 

20:13:29        Ana Paula Albuquerque: Linda!! 

20:15:51        Silvia Alessandri Monteiro Couto: Que coisa mais linda!!! 

20:16:05        Rita da Costa: Maravilhosaaaaa 

20:17:07        Michelle Cruz: vejam o instagram da @fe.depaula.g e @bordado enluarado 

20:17:52        Solange Soares: Estou seguindo as duas! 

20:17:54        Ellen Dias: achei 

20:19:23        Sandra Leite Fortaleza CE: 

“Pontos, alinhavos, pespontos, direito e avesso, nunca existe um final, apenas e sempre recomeço. Aulas de corte e costura” Roseana Murray & Juliane Carvalho – 2021. 

20:21:07        Sandra Leite Fortaleza CE: 

“Com agulhas e linhas nos costuramos uns aos outros, atravessamos oceanos de tempo, nos vestimos, desvestimos, nascemos, morremos, renascemos. Com agulhas e linhas nos costuramos em nossos ancestrais” - Aulas de corte e costura - Roseana Murray & Juliane Carvalho - 2021 

20:23:53        Claudia: que lindeza Cleuza! 

20:28:23        Solange Soares: Quando der, quero ler o que separei para hoje. 

20:29:16        Rossana Cilento: sim, Solange, com prazer! 

20:30:10        Cristina: Quando puder gostaria de falar, muito obrigado. 

20:32:08        Abhadia Marya: essa dá para bordar num estandarte... 

20:33:48        Parísina Ribeiro: tenho também um pequeno poema que selecionei. 

20:35:26        Sandra Leite Fortaleza CE: Solange ...é como diz Daniel Munduruku em contos de amor indígena " a primeira estrela que vejo é a estrela de meu desejo "... os livros nos encontram.

 

20:35:27        Ana Paula Albuquerque: Lindo, lindo

20:36:14        Sandra Leite Fortaleza  CE: http://roseanamurray.com/site/wp-content/uploads/2021/07/AULAS-DE-CORTE-E-COSTURA-Roseana-Murray-Juliane-Cardoso-2021.pdf

  

20:36:31        Sandra Leite Fortaleza CE: livro da Roseana Murray gratuito 

20:37:22        Parísina Ribeiro: Solange muito bom encontrar com vc aqui. 

20:38:21        Ana Paula Albuquerque: - Solange, qual é mesmo o nome da autora? 

20:39:32        Parísina Ribeiro: super legallll. 

20:40:01        Claudia: topamos. 

20:42:38        SANDRA LEITE Fortaleza CE: minha internet caiu. 

20:42:39        Solange Maria Soares de Almeida: Poema 

"Quarto de costura", do livro com o mesmo nome, de Wania Amarante.

 

20:43:43        Ana Paula Albuquerque: Obrigada, Solange 

20:43:54        Ana Paula Albuquerque: Eu estou na fila para ler. 

20:44:01        Solange Soares: De nada, Ana Paula. 

20:44:33        Claudia: achei maravilhoso o encontro

 

20:53:00        Letícia: pessoal, amei estar aqui hoje e quero voltar nos próximos... esse encontro foi descoberto casualmente, mas é uma dessas surpresas deliciosas da vida. Um abraço a todes e espero a comunicação dos próximos... preciso sair porque tenho um compromisso agora às 9h. agradeço a todos o acolhimento, até a próxima 😘

 

20:54:30        Silvia Alessandri Monteiro Couto: Agradeço a esse encontro inenarrável e sem palavras! Todo sentimento grande em mim, rios e mar de cura🛤👩🎨🧵🧶 

20:57:45        Jair Soares JUNIOR: quero cantar uma canção para vocês...se der tempo

20:58:28        Christina Cupertino: pessoas queridas, vou ter que sair, infelizmente.

 

20:58:42        Christina Cupertino: um abraço carinhoso em cada um. 

21:00:54        Solange Soares: tenho 3 aqui comigo. 

21:01:01        Solange Soares: marido, filho e filha.

21:01:08        Solange Maria Soares de Almeida: amo sagitarianos

 

21:01:12        Vera malaco🎶🎵: Preciso sair.... Obrigada a todos.... Maravilha!! 💗🎶🎵 

21:02:04        Vera Malaco🎶:: Deixei meu poeminha com a Rossana. 

21:07:23        Cristina: Sandra Leite, nos conhecemos na oficina da Cris bordado e aquarela, lembra? 

21:08:15        Solange Soares de Almeida: foi um presente. 

21:11:25        Cristina: Muita gratidão por esse encontro. 

21:16:26        Rita da Costa: que chique!!! Bora tecer sonhos novos... (entre)-laçados. 

21:16:38        Solange Soares: Já me sinto lá. 

21:16:59        Gustavo Augusto Serpa Rocha: Vamos para o Carmo!!!👍👍👍👍 

21:17:23        Ana Paula Albuquerque: Carmo, lá vou eu!! 

21:18:44        Alexandre Heberte: Vamos todos a Carmo do Rio Claro. 

21:25:18        Rita da Costa: linda21:25:23        Solange Maria Soares de Almeida: Também vou! 

21:26:10        Parísina Ribeiro: No oeste de Minas, na região do Urucuia acontece encontros de fiandeiras e cantos. É lindo. 

21:27:05        Michelle Cruz: Se tiver tempo, gostaria de falar. 

21:27:27        Leydianne Gonzaga: vou precisar sair. Boa noite a todas e a todos. Satisfação pelo momento com vcs. 

21:27:35        Gustavo Augusto Serpa Rocha: Que grupo lindo!!! Obrigado a todos pela grande energia desses minutos fundos!!! Boa noite!!!! Tamo junto!!!!🥰🥰🥰 

21:28:31        Ellen Dias: Lindo esse encontro, tanta história e emoção. Precisamos sair, beijos em todos. Gratidão. 

21:30:07        Silviane Lopes: Boa noite!!! Ellen e Eulina!! Gratidão por participar!! 

21:38:33        Cristina : SOU FÃ FÃ FÃ FÃ21:38:56        Ruth Vásquez : S2 (Somos duas)

21:39:01        Solange Soares: Amei, Ruth 💕

21:40:01        Sandra Leite: https://youtu.be/vEDDoTUHKYE - The Light of the Dark | Caitlin Connolly | TEDxBYU.

 

21:40:26        Sandra Leite: interessante a reflexão desta artista 

21:40:38        Sandra Leite: é possível ativar legenda em português. 

21:41:03        Alexandre Heberte: Obrigado Sandra.

21:43:58        Rita da Costa: Vou precisar sair, desculpa!! Deixo um super Boa noite! Agradeço a partilha! Que venham os novos reflexotramas, gratidão!!!

21:44:37        Parísina Ribeiro: Boa noite para todos! Encontro aconchegante nesta sexta de frio. Agradeço as tramações. Precisarei sair. Abraço bordado virtual! 

21:45:02        Luís Fernando: terei que sair... muito obrigado a todos vocês!!! Uma grande noite!!!! Bjs. 

21:48:31        Ana Paula Albuquerque: Tem um rabo de gato a bailar na tela… passa para lá, para cá, sai de cena, para em seguida voltar… Ah, tem um rabo de gato a bailar. 

21:49:10        Michelle Cruz: O meu gato está animado... rs... 

21:49:30        Ana Paula Albuquerque: Está lindo! Rs 

21:49:35        Rossana Cilento: tem um rabo de gato... 

21:49:45        Rossana Cilento: aqui tb...risos. 

21:50:06        Ana Paula Albuquerque: Isso, vi o rabo do seu gato, mas ele se confunde com seu casaco… 

21:50:30        Solange Soares: Gente querida, precisarei sair, infelizmente. Vamos nos falando. Agradeço esta noite linda, com tantas falas preciosas. Até a próxima!

21:51:40        Sandra Leite: seria interessante ter um drive compartilhado por email, uma planilha com indicações de livros, outra com filmes, documentários, vídeos, outra com artigos, etc. 

21:54:01        Sandra Leite: ouvindo a Ana Fontanelli , lembrei das filigranas em metal , em tecido e em papel 

21:54:35        Sandra Leite: telegram permite grupos maiores. 

21:55:02        Ana Paula Albuquerque: tenho, mas não uso. 

21:59:43        Sandra Leite: poderíamos fazer uma pesquisa via google “docs”, onde registraríamos email, zap e pesquisar se a maioria podia trabalhar com zap ou telegram e abrir canais colaborativos....

 

22:00:15        Sandra Leite: me disponho a ajudar a organizar a pesquisa de dados. 

22:00:45        Sandra Leite: o estudo da proporção áurea é muito interessante MIchelle Cruz. 

22:01:37        Sandra Leite: o reflexotrama está virando “agbalá”, um lugar continente...

22:01:47        Ana Paula Albuquerque: Google drive ou um Padlet pode resolver a questão de indicação de filmes, livros etc

 

22:02:28        Sandra Leite: exato Ana Paula, havia pensado nisso. 

22:03:17        Sandra Leite: o grupo de zap ou telegram ajudaria para trocar eventos, cursos e outras referências.

 

22:03:51        Ana Paula Albuquerque: Isso, Sandra. Organiza melhor, não é?! 

22:04:59        Ruth Vásquez: Concordo. Podemos começar com o WhatsApp que é mais familiar para todos.

22:20:13        Gloria Correia   para   Silviane Lopes (Direct Message): fio orbital! 

22:28:05        Michelle Cruz: Amei esse encontro, foi renovador para mim! Me fez sentir que a LINHA que estou seguindo faz MUITO sentido. Gratidão. 

22:28:32        Gloria Correia   para   Silviane Lopes (Direct Message) : TRAMAR AMAR MAR E AR TRAMAR que traz de dentro afetos e memórias.

22:30:05        Ana Paula Albuquerque: Bom estar aqui mais uma vez! O encontro foi lindo, me sinto feliz em ouvir tantas poesias e histórias… 

22:30:27        Gloria Correia   para Silviane Lopes (Direct Message) : Boa noite!



REFLEXOTRAMAS 2 – SARAU, 

por Rossana Cilento

 

Sentimos que no primeiro Reflexotramas, que a poesia pedia passagem. Assim, fomos convocados tramar: poesia, música, frase, algo que falasse do nosso sentir.  

Estamos diante encontros inédito em termos de acolhimento amoroso e espaço de expressão da humanidade de cada ser presente, algo que nos remete à essa mudança de paradigma que atravessamos, onde o autoritarismo abre espaço para a colaboração e principalmente quando percebemos que juntos podemos muito.

O que percebi nesse último encontro, foi que a permissão para a poesia abriu os corações e mentes e formou-se ali um campo de confiança (con-fiar: fiar junto) e as pessoas se abriram verdadeiramente com sua singularidade humana, um afetando o outro que afeta o outro e todas as pessoas afetaram e foram afetadas.  Luiz Fuganti nos fala “que vida é acontecimento e que a vida só pode acontecer quando o desejo que a cria é o desejo potente e não o desejo da falta”. Ariel Dutra, complementa

 

Quando o indivíduo acredita lhe faltar algo da qual deve possuir para que então possa sanar a incompletude e supor, a partir daí, que os acontecimentos lhe serão mais favoráveis ele não consegue bancar sua produção desejante e vai ficando cada vez mais dócil às forças reativas da máquina social, aí entram as ofertas para tapar nossos buracos, é aí também que nos tornamos financiados e em débito constante com a vida Por outro lado, quando compreendemos que a falta foi implantada na nossa formação subjetiva e serve muito mais aos poderes do que à vida, e compreendemos que o desejo enquanto produção é imanente à vida, quando estamos cientes da nossa potência e das maneiras de funcionamento das “polícias-do-desejo”, não nos permitimos ser capturados pois as forças reativas perdem em boa parte os seus efeitos capazes de nos colocar em dependência e impotência que nos levariam a segurar na mão caridosa e cheia de boas intenções oferecida pelos modos dominantes”. (DUTRA, 2015)

 

Referência

https://letraefilosofia.com.br/nada-falta-ao-desejo/3/

 

Foi um acontecimento vivo e isso confirma um sentir pessoal que quando nos unimos em torno de uma ideia, a ideia que é muito maior que cada um de nós nos inspira e nos acolhe, mostrando-se muito maior do que nós mesmos. Sinto que esse movimento, nos convida a refletir e retramar juntos um novo devir de mundo. Na noite de nosso encontro nada faltava ao desejo, a sensação era que estávamos completos e potentes.

 

A poética do tecer

Reflito nos reflexos da trama presente

Trama passada

Trama futura

Refletir no dicionário quer dizer: espelhar, representar, retratar.

Pensar muito sobre um assunto: 2 meditar, pensar, ponderar, raciocinar, matutar, ruminar, cismar, cogitar, considerar, atentar, reflexionar, magicar, cuidar, devanear, contemplar.

Reflito no reflexo do espelho sobre quem vejo ali.

Me vejo? O que vejo?

Vejo tudo, passado, presente, futuro, e o fio que nunca se rompe, o fio de luz que persiste em tramar vida, pulso, pulsação, em toda e qualquer época. É um fio atemporal e não pertence a mim nem a ninguém. É nosso, é universal.

Trazemos em nosso corpo todas as tramas do passado, tecidas por nós e pelos nossos ancestrais, esse aspecto me serviu de reflexão sobre esse instante e trouxe uma questão, um pouco antes de nosso encontro sarau, como todo esse passado tecido que me compõe e que nos compõem poderia ser transformado em uma trama presente, potente e forte? Chamo de passado inclusive a parte do dia de hoje que já se foi.

Trama presente tecida no aqui e no com nosso ser inteiro, nos espelhando uns nos outros e refletindo o brilho do conjunto da soma dos fios e linhas de cada pessoa.

Imagino que desenhamos aqui, em meio ao caos mundial, uma vela tecida para nosso barco que intenciona avançar e atravessar o mar que anda agitado. Nossa poética proveniente do coração, sobe ao cérebro e derrama palavras que ao sair pela boca se entrelaçam com outros fios de potente ação conjunta.   Vela tramada por nossos sonhos utópicos, em nossa realidade virtual que tantas possibilidades de encontro e construção nos proporciona.

Imagino que nosso barco possa acolher quem escolher poesia e afetos para prosseguir, e desejo que essa trama reflita em si os melhores fios de cada um de nós e quando decidirmos voar que ela seja nosso tapete voador que pode nos transportar ao novo planeta, um planeta que vibra humanidade.

Reflito, refletes, reflete, refletimos, refletis, refletem...

 

 

REFLEXOTRAMAS, 

por Silviane Lopes

 

O Reflexo Tramas é como diz Alexandre uma “Ambiência Urdida”, um espaço virtual de trocas, reflexões, inquietações e inspirações, um chamado para escrita dos nossos processos. Grande alegria estar com todos, fazer parte desse urdir e tramar de textos. Me encanta ver esse movimento de acolhimento e escuta! 

No primeiro encontro, dia 11/06, Alexandre nos apresentou os novos conceitos de trabalho: “Tecitarmento do Corpo Tecelão” e as “Molecucituras”, termos poéticos que falam do seu viver imerso em tramas experimentais, que estão sendo desenvolvidos na pesquisa no mestrado no Programa de Pós-Graduação em Arte da UERJ. Neste dia alguém ou alguns trouxeram a ideia de um sarau de poesias, assim que estamos pós as Reflexotramas 2, tecendo práxis e poesia!  

Alexandre e Rossana abriram o encontro conjugando o verbo tramar e refletir; assim urdume de palavras abriram espaços para nossas tramas; ouvimos as poesias enviadas por pessoas que não puderam estar presentes, cada nova pessoa que pedia a palavra trazia uma contribuição mais emocionante que a outra, em um clima de apoio e respeito na fala de cada um. Muitas poesias, autorais e escolhidas, histórias de vida, música, questionamentos e muita emoção em 3 horas de um encontro inesquecível.  

Cada pessoa era um fio, com nossos entrelaces de palavras e afetos, criamos um tecido que nos cobriu e que segue nos aquecendo. O que nos uniu nesta sexta feira fria? A vontade de aprender, aprofundar e mais que tudo se sentir perto mesmo longe! E como falar destes sentimentos e emoções? Só com poesia! Comentei no início da live que iria ler um texto do Mia Couto, mas foram tantas pessoas participando e a vontade de escutar era maior que a de falar, que acabei não lendo, mas aqui deixo registrado texto escolhido especialmente para ocasião.

 

EA INFINITA FIANDEIRA -  Mia Couto

 

A aranha, aquela aranha, era tão única: não parava de fazer teias! Fazia-as de todos os tamanhos e formas. Havia, contudo, um senão: ela fazia-as, mas não lhes dava utilidade. O bicho repaginava o mundo. Contudo, sempre inacabava as suas obras. Ao fio e ao cabo, ela já amealhava uma porção de teias que só ganhavam senso no rebrilho das manhãs.

E dia e noite: dos seus palpos primavam obras, com belezas de cacimbo gotejando, rendas e rendilhados. Tudo sem fim nem finalidade. Todo o bom aracnídeo sabe que a teia cumpre as fatais funções: lençol de núpcias, armadilha de caçador. Todos sabem, menos a nossa aranhinha, em suas distraiçoeiras funções.

Para a mãe-aranha aquilo não passava de mau senso. Para quê tanto labor se depois não se dava a indevida aplicação? Mas a jovem aranhiça não fazia ouvidos. E alfaiatava, alfinetava, cegava os nós. Tecia e retecia o fio, entrelaçava e reentrelaçava mais e mais teia. Sem nunca fazer morada em nenhuma. Recusava a utilitária vocação da sua espécie.

– Não faço teias por instinto.

– Então, faz porquê?

Faço por arte.

Benzia-se a mãe, rezava o pai. Mas nem com preces. A filha saiu pelo mundo em ofício de infinita teceloa. E em cantos e recantos deixava a sua marca, o engenho da sua seda. Os pais, após concertação, a mandaram chamar. A mãe:

– Minha filha, quando é que assentas as patas na parede?

E o pai:

– Já eu me vejo em palpos de mim…

Em choro múltiplo, a mãe limpou as lágrimas dos muitos olhos enquanto disse:

– Estamos recebendo queixas do aranhal.

– O que é que dizem, mãe?

– Dizem que isso só pode ser doença apanhada de outras criaturas.

Até que se decidiram: a jovem aranha tinha que ser reconduzida aos seus mandos genéticos. Aquele devaneio seria causado por falta de namorado. A moça seria até virgem, não tendo nunca digerido um machito. E organizaram um amoroso encontro.

– Vai ver que custa menos que engolir mosca – disse a mãe.

E aconteceu. Contudo, ao invés de devorar o singelo namorador, a aranha namorou e ficou enamorada. Os dois deram-se os apêndices e dançaram ao som de uma brisa que fazia vibrar a teia. Ou seria a teia que fabricava a brisa?

A aranhiça levou o namorado a visitar a sua coleção de teias, ele que escolhesse uma, ficaria prova de seu amor.

A família desiludida consultou o Deus dos bichos, para reclamar da fabricação daquele espécime.

Uma aranha assim, com mania de gente? Na sua alta teia, o Deus dos bichos quis saber o que poderia fazer. Pediram que ela transitasse para humana. E assim sucedeu: num golpe divino, a aranha foi convertida em pessoa. Quando ela, já transfigurada, se apresentou no mundo dos humanos logo lhe exigiram a imediata identificação. Quem era, o que fazia?

– Faço arte.

– Arte?

E os humanos se entreolharam, intrigados. Desconheciam o que fosse arte. Em que consistia? Até que um, mais-velho, se lembrou. Que houvera um tempo, em tempos de que já se perdera memória, em que alguns se ocupavam de tais improdutivos afazeres. Felizmente, isso tinha acabado, e os poucos que teimavam em criar esses pouco rentáveis produtos – chamados de obras de arte – tinham sido geneticamente transmutados em bichos. Não se lembrava bem em que bichos. Aranhas, ao que parece.



 

Até o próximo encontro! E Viva a Arte!

 

 

Reflexotramas, 

por Alexandre Heberte 

 

Entendemos trama poética-estética todas manifestações que respeitam formas de vida, valorizam a diversidade, multiplicidade e transversalidade dos modos de conhecimento. Formas de vida para além do corpo humano, mas tudo que está dentro e fora do planeta terra; animais, plantas, estrelas, montanhas, outras galáxias. Menos Eu, mais Nós.

 

 Tecitarmentos poéticos da molecucitura, borrões do pensamento em estado de tramarbolismo

 

Numa consulta rápida ao Wikipédia sobre o significado de Autopoiese, temos: autopoiese ou autopoiesis (do grego auto "próprio", poiesis "criação") é um termo criado nos anos setenta pelos biólogos e filósofos chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana para designar a capacidade dos seres vivos de produzirem a si próprios. A teoria dos filósofos nos faz pensar que todo ser vivo é um sistema autopoiético, caracterizado como uma rede fechada de produções moleculares, em que as moléculas produzidas geram com suas interações a mesma rede de moléculas que as produziu. Nosso corpo se mantém, trava uma batalha diária para nos garantir sua existência o máximo possível, independente da nossa colaboração ou não. Nossa colaboração está conectada ao estado subjetivo permanente com o mundo, como lidamos com os sonhos, pensamentos e desejos, ainda o que pensamos, falamos, como aprendemos a nos movimentar com esse sistema fechado, que chamamos o corpo que habito. O que está dentro da nossa pele, o que está fora dela, como agenciamos essa zona de contato, quais os sentidos utilizados, modelizados, categorizados, criados, substituídos, transformados, traduzidos? Maturana e Varela, nos sugere ficarmos atentos a conservação da autopoiese, trata-se da adaptação as condições de vida que navegamos ao longo dela. Temos que aprender lidar com a autonomia para uma autoprodução (o que faço da minha vida) e auto regulação (quais as regras, crenças, normas, filosofias, condutas ou pessoas que norteiam seu leme), entre o eu e o outro, entre nossa pele e a pele do outro há um meio, que aparentemente é invisível como ar, mas toda ambiência carrega um peso, um valor, que desencadeiam atitudes e mudanças, dentro de nós, fora de nós, tal brisa morna, ou ventos de tempestades. Autopoiese é as mudanças determinadas em sua própria estrutura, e nunca é só responsabilidade de um agente externo, mas de como reagimos a ele. Como metabolizamos isso em nossas reflexotramas, com os tecitarmentos que vibram por todo corpo, positivos ou negativos, depende de como nutrimos as molecucituras do ar que respiramos.

 

 

 

Queremos agradecer Rossana Cilento, Silviane Lopes e Alexandre, se você esteve conosco no evento ou se por alguma razão chegou até aqui, nosso muito obrigado pelas experiências partilhadas. Até breve.

Um comentário:

  1. Delicia de ler a transcrição, um serpentear por entre frestas e caminhos largos. Um amar de tramar eterno!

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