Reflexotramas: sarau

 

A CHAMADA: REFLEXOTRAMA: trama poética-estética.

Silviane Lopes, Rossana Cilento e Alexandre Heberte convidam para nova

Ambiência-urdida para tramas coletivas: prosa, poesia, citação, pensamento, canção, pensamentos e reflexões. Todos, todas, todes convidados para se expressarem conosco.

Arte: Silviane Lopes


 

Ô de casa, com licença para entrar na casa de vocês!

Casa-lar, casa-pensamento, casa-coração. Zoom. 


Foto Silviane Lopes


Primeira sexta-feira de julho de dois mil e vinte um, éramos veteranos de primeira live e outros mais novos participantes em entrelaços. “Estamos sempre em trânsito, de passagem por cada movimento proposto. Camadas de continuidade e descontinuidade. Avantes! 

Rossana Cilento, Silviane e eu além de felizes, estávamos também ansiosos para viver as horas programadas: poesia, prosa, canto, pontos, contos, causos – o que viveríamos?

 

Reflexotramas é casa sem portas, escola sem muros. É grande sala, quarto, cozinha, varanda, chão; com sofás confortáveis, rede de dormir armada, cadeiras de balanço. Começa assim, toca o despertador do compromisso, se escolhe melhor espaço para aparecer, liga aparelho de smartphone, clica no link do zoom – espera conexão abrir caminhos, pronto; casa aberta para escutatória.

 


Não tínhamos nada muito roteirizado. Combinamos assim: Silviane faria função de aceitar participantes, dar as boas-vindas. Rossana e eu, nos revezaríamos no exercício de sentir, ouvir e costurar as falas. Tínhamos ainda cada, um texto preparado para leitura, como fizemos na Reflexotramas anterior. Acabou que só a Rossana Cilento o fez. Também havíamos combinado que leríamos tempos de conjugação dos verbos Tramar e Refletir, enquanto os participantes estivessem chegando. Assim fizemos.

 

 

A poesia veio tramada de seiva, matéria viva de cada participante.

O canto se fez de memórias

As imagens foram sendo construídas a cada voz.

Depoimentos, fios de intimidade, revelações, segredos, inquietações, dúvidas, sugestões, leitura de texto, mais poesia – mais afeto! Poesia da alma.

 

A casa foi ficando bagunçada de alegria; por mais que no zoom seja importante uma fala por vez para se ouvir melhor, parecia que a conversa rolava solta entre todos, como um grande burburinho de festa divertida, festa que não deixa ninguém abandonado pelos cantos. Festa real, mesmo que ainda no virtual.

 

Ritual das tramas, sarau de pensamentos tecidos; como traduzir um evento tão potente como esse?

 

Dez dias se passaram desde sua realização. Hoje, dia 13 de julho, noite de terça-feira, sento no computador para escrever, transcrever, documentar Reflexotramas: sarau. Como fazer? Transcrever síntese de tudo que foi dito. Olhos para as anotações. Procuro sentir novamente as reverberações da noite! Então, entendo que não vou dar conta de tanta beleza e poesia juntos, que não sei ainda colocar em palavras tantos gestos de confiança e partilhas; penso em reflexotramas como casa abrigo, trama-casulo, abraços de lã. E agora, o que faço, que posso escrever nesse post que esteja à altura da lives e de todas as participações lindas?

Desisti de escrever minhas anotações, como fiz no post anterior. Quero que vocês mesmos descubram o que cada participante falou, trouxe e expressou. Duas opções: você pode escolher se contentar com essas palavras aqui ou assistir vídeo da live. Mas já aviso: o vídeo é longo, a live durou quase três horas. Dizem que ninguém hoje em dia ver vídeos com mais de três minutos. Parece que sim. Aceita desafio? Será que devo jogar a responsabilidade em que me lê, pedir para vocês assistirem a live, depois me dizer como se faz? Nesse urdume atual em que me encontro 22:03:33 segundos, o rosto sorri! Tive uma ideia.  Conto logo abaixo.


Para quem puder assistir nossa performatividade poética

 

Ao invés das anotações, a ideia é apresentar outra camada do evento: 

o chat é uma festa!

 

Mas o que acontece com o Chat, quando a festa acaba? Para onde vão as palavras, as intenções, os gestos, os laços??? Quem volta a lê o que se passou no chat ou para que serve uma segunda leitura?

 

Para reler coisas linda de viver, tais:

No minuto 22:01:37, a Sandra Leite, diz: “o reflexotrama está virando agbalá, um lugar continente...” ou “22:28:05 escreve a Michelle Cruz: “Amei esse encontro, foi renovador para mim! Me fez sentir que a LINHA que estou seguindo faz MUITO sentido. Gratidão”.

Para reativar matéria tecida e ser transportado novamente, noutro tempo e noutra energia, ser sensível aos estados dos momentos “quando se deu”, “quando se está”, entrelaçar, embaralhar tempos futuro, passado, presente numa coisa só. O que acontece com os livros, palavras, frases, pensamentos, quando lemos uma, duas, três, quatro vezes?

 

 

Performatividade do chat Reflexotramas: repertório natural das manifestações de afeto, no calor das tramas que nos atravessam.

 

19:30:23        Leydianne Gonzaga: que lindo 

19:35:12        Leydianne Gonzaga: eu falo da Paraíba 😍 

19:36:09        Leydianne Gonzaga: risos. 

19:36:11        Vera Malaco🎶🎵: São Paulo capital 

19:36:33        Michelle Cruz: Estou em Monte Mor, interior de São Paulo, 18ºC. 

19:36:34        Ana Fontanelli: São Paulo – Capital 

19:36:36        Rita da Costa: Rita da Costa, Bombinhas SC 16 graus hehehe. 

19:37:24        Gloria Correia: eu falo de Realengo RJ 18° 

19:37:29        Sandra Leite Fortaleza CE: Sandra Leite Fortaleza CE 

19:37:46        Cristina: de São Paulo Capital, 17 graus 

19:37:52        Rossana Cilento: Tupã SP 21graus 

19:38:07        Ruth Vásquez: Boa noite a todos! 

19:38:12        Juliana Bolini: Aqui 18! 

19:38:15        Ellen Dias: Eulina e Ellen de Teresópolis, 6 graus C 

19:45:05        Leydianne Gonzaga: minha primeira vez aqui 

19:45:15        Leydianne Gonzaga: peço licença 

19:45:36        Solange Soares: Vou me ausentar uns minutinhos 

19:46:19        Michelle Cruz: Eu também não estava no primeiro evento.

19:50:00        Ana Paula Trindade de Albuquerque: Boa noite! 

19:59:49        Alexandre Heberte: Bem-vindo todos, todas e todes 

20:00:28        Claudia: boa noite a todos! 

20:02:12        Rita da Costa: Alexandre é um evento.um bailarino dos fios.

20:04:30        Solange Maria Soares de Almeida: Lembrei de Lampião e os homens de seu bando que bordavam suas próprias vestes. 

20:05:32        Parísina Ribeiro: Os homens costuram, bordam, tecem desde sempre. 

20:13:14        Solange Soares Almeida: Que lindo! 

20:13:29        Ana Paula Albuquerque: Linda!! 

20:15:51        Silvia Alessandri Monteiro Couto: Que coisa mais linda!!! 

20:16:05        Rita da Costa: Maravilhosaaaaa 

20:17:07        Michelle Cruz: vejam o instagram da @fe.depaula.g e @bordado enluarado 

20:17:52        Solange Soares: Estou seguindo as duas! 

20:17:54        Ellen Dias: achei 

20:19:23        Sandra Leite Fortaleza CE: 

“Pontos, alinhavos, pespontos, direito e avesso, nunca existe um final, apenas e sempre recomeço. Aulas de corte e costura” Roseana Murray & Juliane Carvalho – 2021. 

20:21:07        Sandra Leite Fortaleza CE: 

“Com agulhas e linhas nos costuramos uns aos outros, atravessamos oceanos de tempo, nos vestimos, desvestimos, nascemos, morremos, renascemos. Com agulhas e linhas nos costuramos em nossos ancestrais” - Aulas de corte e costura - Roseana Murray & Juliane Carvalho - 2021 

20:23:53        Claudia: que lindeza Cleuza! 

20:28:23        Solange Soares: Quando der, quero ler o que separei para hoje. 

20:29:16        Rossana Cilento: sim, Solange, com prazer! 

20:30:10        Cristina: Quando puder gostaria de falar, muito obrigado. 

20:32:08        Abhadia Marya: essa dá para bordar num estandarte... 

20:33:48        Parísina Ribeiro: tenho também um pequeno poema que selecionei. 

20:35:26        Sandra Leite Fortaleza CE: Solange ...é como diz Daniel Munduruku em contos de amor indígena " a primeira estrela que vejo é a estrela de meu desejo "... os livros nos encontram.

 

20:35:27        Ana Paula Albuquerque: Lindo, lindo

20:36:14        Sandra Leite Fortaleza  CE: http://roseanamurray.com/site/wp-content/uploads/2021/07/AULAS-DE-CORTE-E-COSTURA-Roseana-Murray-Juliane-Cardoso-2021.pdf

  

20:36:31        Sandra Leite Fortaleza CE: livro da Roseana Murray gratuito 

20:37:22        Parísina Ribeiro: Solange muito bom encontrar com vc aqui. 

20:38:21        Ana Paula Albuquerque: - Solange, qual é mesmo o nome da autora? 

20:39:32        Parísina Ribeiro: super legallll. 

20:40:01        Claudia: topamos. 

20:42:38        SANDRA LEITE Fortaleza CE: minha internet caiu. 

20:42:39        Solange Maria Soares de Almeida: Poema 

"Quarto de costura", do livro com o mesmo nome, de Wania Amarante.

 

20:43:43        Ana Paula Albuquerque: Obrigada, Solange 

20:43:54        Ana Paula Albuquerque: Eu estou na fila para ler. 

20:44:01        Solange Soares: De nada, Ana Paula. 

20:44:33        Claudia: achei maravilhoso o encontro

 

20:53:00        Letícia: pessoal, amei estar aqui hoje e quero voltar nos próximos... esse encontro foi descoberto casualmente, mas é uma dessas surpresas deliciosas da vida. Um abraço a todes e espero a comunicação dos próximos... preciso sair porque tenho um compromisso agora às 9h. agradeço a todos o acolhimento, até a próxima 😘

 

20:54:30        Silvia Alessandri Monteiro Couto: Agradeço a esse encontro inenarrável e sem palavras! Todo sentimento grande em mim, rios e mar de cura🛤👩🎨🧵🧶 

20:57:45        Jair Soares JUNIOR: quero cantar uma canção para vocês...se der tempo

20:58:28        Christina Cupertino: pessoas queridas, vou ter que sair, infelizmente.

 

20:58:42        Christina Cupertino: um abraço carinhoso em cada um. 

21:00:54        Solange Soares: tenho 3 aqui comigo. 

21:01:01        Solange Soares: marido, filho e filha.

21:01:08        Solange Maria Soares de Almeida: amo sagitarianos

 

21:01:12        Vera malaco🎶🎵: Preciso sair.... Obrigada a todos.... Maravilha!! 💗🎶🎵 

21:02:04        Vera Malaco🎶:: Deixei meu poeminha com a Rossana. 

21:07:23        Cristina: Sandra Leite, nos conhecemos na oficina da Cris bordado e aquarela, lembra? 

21:08:15        Solange Soares de Almeida: foi um presente. 

21:11:25        Cristina: Muita gratidão por esse encontro. 

21:16:26        Rita da Costa: que chique!!! Bora tecer sonhos novos... (entre)-laçados. 

21:16:38        Solange Soares: Já me sinto lá. 

21:16:59        Gustavo Augusto Serpa Rocha: Vamos para o Carmo!!!👍👍👍👍 

21:17:23        Ana Paula Albuquerque: Carmo, lá vou eu!! 

21:18:44        Alexandre Heberte: Vamos todos a Carmo do Rio Claro. 

21:25:18        Rita da Costa: linda21:25:23        Solange Maria Soares de Almeida: Também vou! 

21:26:10        Parísina Ribeiro: No oeste de Minas, na região do Urucuia acontece encontros de fiandeiras e cantos. É lindo. 

21:27:05        Michelle Cruz: Se tiver tempo, gostaria de falar. 

21:27:27        Leydianne Gonzaga: vou precisar sair. Boa noite a todas e a todos. Satisfação pelo momento com vcs. 

21:27:35        Gustavo Augusto Serpa Rocha: Que grupo lindo!!! Obrigado a todos pela grande energia desses minutos fundos!!! Boa noite!!!! Tamo junto!!!!🥰🥰🥰 

21:28:31        Ellen Dias: Lindo esse encontro, tanta história e emoção. Precisamos sair, beijos em todos. Gratidão. 

21:30:07        Silviane Lopes: Boa noite!!! Ellen e Eulina!! Gratidão por participar!! 

21:38:33        Cristina : SOU FÃ FÃ FÃ FÃ21:38:56        Ruth Vásquez : S2 (Somos duas)

21:39:01        Solange Soares: Amei, Ruth 💕

21:40:01        Sandra Leite: https://youtu.be/vEDDoTUHKYE - The Light of the Dark | Caitlin Connolly | TEDxBYU.

 

21:40:26        Sandra Leite: interessante a reflexão desta artista 

21:40:38        Sandra Leite: é possível ativar legenda em português. 

21:41:03        Alexandre Heberte: Obrigado Sandra.

21:43:58        Rita da Costa: Vou precisar sair, desculpa!! Deixo um super Boa noite! Agradeço a partilha! Que venham os novos reflexotramas, gratidão!!!

21:44:37        Parísina Ribeiro: Boa noite para todos! Encontro aconchegante nesta sexta de frio. Agradeço as tramações. Precisarei sair. Abraço bordado virtual! 

21:45:02        Luís Fernando: terei que sair... muito obrigado a todos vocês!!! Uma grande noite!!!! Bjs. 

21:48:31        Ana Paula Albuquerque: Tem um rabo de gato a bailar na tela… passa para lá, para cá, sai de cena, para em seguida voltar… Ah, tem um rabo de gato a bailar. 

21:49:10        Michelle Cruz: O meu gato está animado... rs... 

21:49:30        Ana Paula Albuquerque: Está lindo! Rs 

21:49:35        Rossana Cilento: tem um rabo de gato... 

21:49:45        Rossana Cilento: aqui tb...risos. 

21:50:06        Ana Paula Albuquerque: Isso, vi o rabo do seu gato, mas ele se confunde com seu casaco… 

21:50:30        Solange Soares: Gente querida, precisarei sair, infelizmente. Vamos nos falando. Agradeço esta noite linda, com tantas falas preciosas. Até a próxima!

21:51:40        Sandra Leite: seria interessante ter um drive compartilhado por email, uma planilha com indicações de livros, outra com filmes, documentários, vídeos, outra com artigos, etc. 

21:54:01        Sandra Leite: ouvindo a Ana Fontanelli , lembrei das filigranas em metal , em tecido e em papel 

21:54:35        Sandra Leite: telegram permite grupos maiores. 

21:55:02        Ana Paula Albuquerque: tenho, mas não uso. 

21:59:43        Sandra Leite: poderíamos fazer uma pesquisa via google “docs”, onde registraríamos email, zap e pesquisar se a maioria podia trabalhar com zap ou telegram e abrir canais colaborativos....

 

22:00:15        Sandra Leite: me disponho a ajudar a organizar a pesquisa de dados. 

22:00:45        Sandra Leite: o estudo da proporção áurea é muito interessante MIchelle Cruz. 

22:01:37        Sandra Leite: o reflexotrama está virando “agbalá”, um lugar continente...

22:01:47        Ana Paula Albuquerque: Google drive ou um Padlet pode resolver a questão de indicação de filmes, livros etc

 

22:02:28        Sandra Leite: exato Ana Paula, havia pensado nisso. 

22:03:17        Sandra Leite: o grupo de zap ou telegram ajudaria para trocar eventos, cursos e outras referências.

 

22:03:51        Ana Paula Albuquerque: Isso, Sandra. Organiza melhor, não é?! 

22:04:59        Ruth Vásquez: Concordo. Podemos começar com o WhatsApp que é mais familiar para todos.

22:20:13        Gloria Correia   para   Silviane Lopes (Direct Message): fio orbital! 

22:28:05        Michelle Cruz: Amei esse encontro, foi renovador para mim! Me fez sentir que a LINHA que estou seguindo faz MUITO sentido. Gratidão. 

22:28:32        Gloria Correia   para   Silviane Lopes (Direct Message) : TRAMAR AMAR MAR E AR TRAMAR que traz de dentro afetos e memórias.

22:30:05        Ana Paula Albuquerque: Bom estar aqui mais uma vez! O encontro foi lindo, me sinto feliz em ouvir tantas poesias e histórias… 

22:30:27        Gloria Correia   para Silviane Lopes (Direct Message) : Boa noite!



REFLEXOTRAMAS 2 – SARAU, 

por Rossana Cilento

 

Sentimos que no primeiro Reflexotramas, que a poesia pedia passagem. Assim, fomos convocados tramar: poesia, música, frase, algo que falasse do nosso sentir.  

Estamos diante encontros inédito em termos de acolhimento amoroso e espaço de expressão da humanidade de cada ser presente, algo que nos remete à essa mudança de paradigma que atravessamos, onde o autoritarismo abre espaço para a colaboração e principalmente quando percebemos que juntos podemos muito.

O que percebi nesse último encontro, foi que a permissão para a poesia abriu os corações e mentes e formou-se ali um campo de confiança (con-fiar: fiar junto) e as pessoas se abriram verdadeiramente com sua singularidade humana, um afetando o outro que afeta o outro e todas as pessoas afetaram e foram afetadas.  Luiz Fuganti nos fala “que vida é acontecimento e que a vida só pode acontecer quando o desejo que a cria é o desejo potente e não o desejo da falta”. Ariel Dutra, complementa

 

Quando o indivíduo acredita lhe faltar algo da qual deve possuir para que então possa sanar a incompletude e supor, a partir daí, que os acontecimentos lhe serão mais favoráveis ele não consegue bancar sua produção desejante e vai ficando cada vez mais dócil às forças reativas da máquina social, aí entram as ofertas para tapar nossos buracos, é aí também que nos tornamos financiados e em débito constante com a vida Por outro lado, quando compreendemos que a falta foi implantada na nossa formação subjetiva e serve muito mais aos poderes do que à vida, e compreendemos que o desejo enquanto produção é imanente à vida, quando estamos cientes da nossa potência e das maneiras de funcionamento das “polícias-do-desejo”, não nos permitimos ser capturados pois as forças reativas perdem em boa parte os seus efeitos capazes de nos colocar em dependência e impotência que nos levariam a segurar na mão caridosa e cheia de boas intenções oferecida pelos modos dominantes”. (DUTRA, 2015)

 

Referência

https://letraefilosofia.com.br/nada-falta-ao-desejo/3/

 

Foi um acontecimento vivo e isso confirma um sentir pessoal que quando nos unimos em torno de uma ideia, a ideia que é muito maior que cada um de nós nos inspira e nos acolhe, mostrando-se muito maior do que nós mesmos. Sinto que esse movimento, nos convida a refletir e retramar juntos um novo devir de mundo. Na noite de nosso encontro nada faltava ao desejo, a sensação era que estávamos completos e potentes.

 

A poética do tecer

Reflito nos reflexos da trama presente

Trama passada

Trama futura

Refletir no dicionário quer dizer: espelhar, representar, retratar.

Pensar muito sobre um assunto: 2 meditar, pensar, ponderar, raciocinar, matutar, ruminar, cismar, cogitar, considerar, atentar, reflexionar, magicar, cuidar, devanear, contemplar.

Reflito no reflexo do espelho sobre quem vejo ali.

Me vejo? O que vejo?

Vejo tudo, passado, presente, futuro, e o fio que nunca se rompe, o fio de luz que persiste em tramar vida, pulso, pulsação, em toda e qualquer época. É um fio atemporal e não pertence a mim nem a ninguém. É nosso, é universal.

Trazemos em nosso corpo todas as tramas do passado, tecidas por nós e pelos nossos ancestrais, esse aspecto me serviu de reflexão sobre esse instante e trouxe uma questão, um pouco antes de nosso encontro sarau, como todo esse passado tecido que me compõe e que nos compõem poderia ser transformado em uma trama presente, potente e forte? Chamo de passado inclusive a parte do dia de hoje que já se foi.

Trama presente tecida no aqui e no com nosso ser inteiro, nos espelhando uns nos outros e refletindo o brilho do conjunto da soma dos fios e linhas de cada pessoa.

Imagino que desenhamos aqui, em meio ao caos mundial, uma vela tecida para nosso barco que intenciona avançar e atravessar o mar que anda agitado. Nossa poética proveniente do coração, sobe ao cérebro e derrama palavras que ao sair pela boca se entrelaçam com outros fios de potente ação conjunta.   Vela tramada por nossos sonhos utópicos, em nossa realidade virtual que tantas possibilidades de encontro e construção nos proporciona.

Imagino que nosso barco possa acolher quem escolher poesia e afetos para prosseguir, e desejo que essa trama reflita em si os melhores fios de cada um de nós e quando decidirmos voar que ela seja nosso tapete voador que pode nos transportar ao novo planeta, um planeta que vibra humanidade.

Reflito, refletes, reflete, refletimos, refletis, refletem...

 

 

REFLEXOTRAMAS, 

por Silviane Lopes

 

O Reflexo Tramas é como diz Alexandre uma “Ambiência Urdida”, um espaço virtual de trocas, reflexões, inquietações e inspirações, um chamado para escrita dos nossos processos. Grande alegria estar com todos, fazer parte desse urdir e tramar de textos. Me encanta ver esse movimento de acolhimento e escuta! 

No primeiro encontro, dia 11/06, Alexandre nos apresentou os novos conceitos de trabalho: “Tecitarmento do Corpo Tecelão” e as “Molecucituras”, termos poéticos que falam do seu viver imerso em tramas experimentais, que estão sendo desenvolvidos na pesquisa no mestrado no Programa de Pós-Graduação em Arte da UERJ. Neste dia alguém ou alguns trouxeram a ideia de um sarau de poesias, assim que estamos pós as Reflexotramas 2, tecendo práxis e poesia!  

Alexandre e Rossana abriram o encontro conjugando o verbo tramar e refletir; assim urdume de palavras abriram espaços para nossas tramas; ouvimos as poesias enviadas por pessoas que não puderam estar presentes, cada nova pessoa que pedia a palavra trazia uma contribuição mais emocionante que a outra, em um clima de apoio e respeito na fala de cada um. Muitas poesias, autorais e escolhidas, histórias de vida, música, questionamentos e muita emoção em 3 horas de um encontro inesquecível.  

Cada pessoa era um fio, com nossos entrelaces de palavras e afetos, criamos um tecido que nos cobriu e que segue nos aquecendo. O que nos uniu nesta sexta feira fria? A vontade de aprender, aprofundar e mais que tudo se sentir perto mesmo longe! E como falar destes sentimentos e emoções? Só com poesia! Comentei no início da live que iria ler um texto do Mia Couto, mas foram tantas pessoas participando e a vontade de escutar era maior que a de falar, que acabei não lendo, mas aqui deixo registrado texto escolhido especialmente para ocasião.

 

EA INFINITA FIANDEIRA -  Mia Couto

 

A aranha, aquela aranha, era tão única: não parava de fazer teias! Fazia-as de todos os tamanhos e formas. Havia, contudo, um senão: ela fazia-as, mas não lhes dava utilidade. O bicho repaginava o mundo. Contudo, sempre inacabava as suas obras. Ao fio e ao cabo, ela já amealhava uma porção de teias que só ganhavam senso no rebrilho das manhãs.

E dia e noite: dos seus palpos primavam obras, com belezas de cacimbo gotejando, rendas e rendilhados. Tudo sem fim nem finalidade. Todo o bom aracnídeo sabe que a teia cumpre as fatais funções: lençol de núpcias, armadilha de caçador. Todos sabem, menos a nossa aranhinha, em suas distraiçoeiras funções.

Para a mãe-aranha aquilo não passava de mau senso. Para quê tanto labor se depois não se dava a indevida aplicação? Mas a jovem aranhiça não fazia ouvidos. E alfaiatava, alfinetava, cegava os nós. Tecia e retecia o fio, entrelaçava e reentrelaçava mais e mais teia. Sem nunca fazer morada em nenhuma. Recusava a utilitária vocação da sua espécie.

– Não faço teias por instinto.

– Então, faz porquê?

Faço por arte.

Benzia-se a mãe, rezava o pai. Mas nem com preces. A filha saiu pelo mundo em ofício de infinita teceloa. E em cantos e recantos deixava a sua marca, o engenho da sua seda. Os pais, após concertação, a mandaram chamar. A mãe:

– Minha filha, quando é que assentas as patas na parede?

E o pai:

– Já eu me vejo em palpos de mim…

Em choro múltiplo, a mãe limpou as lágrimas dos muitos olhos enquanto disse:

– Estamos recebendo queixas do aranhal.

– O que é que dizem, mãe?

– Dizem que isso só pode ser doença apanhada de outras criaturas.

Até que se decidiram: a jovem aranha tinha que ser reconduzida aos seus mandos genéticos. Aquele devaneio seria causado por falta de namorado. A moça seria até virgem, não tendo nunca digerido um machito. E organizaram um amoroso encontro.

– Vai ver que custa menos que engolir mosca – disse a mãe.

E aconteceu. Contudo, ao invés de devorar o singelo namorador, a aranha namorou e ficou enamorada. Os dois deram-se os apêndices e dançaram ao som de uma brisa que fazia vibrar a teia. Ou seria a teia que fabricava a brisa?

A aranhiça levou o namorado a visitar a sua coleção de teias, ele que escolhesse uma, ficaria prova de seu amor.

A família desiludida consultou o Deus dos bichos, para reclamar da fabricação daquele espécime.

Uma aranha assim, com mania de gente? Na sua alta teia, o Deus dos bichos quis saber o que poderia fazer. Pediram que ela transitasse para humana. E assim sucedeu: num golpe divino, a aranha foi convertida em pessoa. Quando ela, já transfigurada, se apresentou no mundo dos humanos logo lhe exigiram a imediata identificação. Quem era, o que fazia?

– Faço arte.

– Arte?

E os humanos se entreolharam, intrigados. Desconheciam o que fosse arte. Em que consistia? Até que um, mais-velho, se lembrou. Que houvera um tempo, em tempos de que já se perdera memória, em que alguns se ocupavam de tais improdutivos afazeres. Felizmente, isso tinha acabado, e os poucos que teimavam em criar esses pouco rentáveis produtos – chamados de obras de arte – tinham sido geneticamente transmutados em bichos. Não se lembrava bem em que bichos. Aranhas, ao que parece.



 

Até o próximo encontro! E Viva a Arte!

 

 

Reflexotramas, 

por Alexandre Heberte 

 

Entendemos trama poética-estética todas manifestações que respeitam formas de vida, valorizam a diversidade, multiplicidade e transversalidade dos modos de conhecimento. Formas de vida para além do corpo humano, mas tudo que está dentro e fora do planeta terra; animais, plantas, estrelas, montanhas, outras galáxias. Menos Eu, mais Nós.

 

 Tecitarmentos poéticos da molecucitura, borrões do pensamento em estado de tramarbolismo

 

Numa consulta rápida ao Wikipédia sobre o significado de Autopoiese, temos: autopoiese ou autopoiesis (do grego auto "próprio", poiesis "criação") é um termo criado nos anos setenta pelos biólogos e filósofos chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana para designar a capacidade dos seres vivos de produzirem a si próprios. A teoria dos filósofos nos faz pensar que todo ser vivo é um sistema autopoiético, caracterizado como uma rede fechada de produções moleculares, em que as moléculas produzidas geram com suas interações a mesma rede de moléculas que as produziu. Nosso corpo se mantém, trava uma batalha diária para nos garantir sua existência o máximo possível, independente da nossa colaboração ou não. Nossa colaboração está conectada ao estado subjetivo permanente com o mundo, como lidamos com os sonhos, pensamentos e desejos, ainda o que pensamos, falamos, como aprendemos a nos movimentar com esse sistema fechado, que chamamos o corpo que habito. O que está dentro da nossa pele, o que está fora dela, como agenciamos essa zona de contato, quais os sentidos utilizados, modelizados, categorizados, criados, substituídos, transformados, traduzidos? Maturana e Varela, nos sugere ficarmos atentos a conservação da autopoiese, trata-se da adaptação as condições de vida que navegamos ao longo dela. Temos que aprender lidar com a autonomia para uma autoprodução (o que faço da minha vida) e auto regulação (quais as regras, crenças, normas, filosofias, condutas ou pessoas que norteiam seu leme), entre o eu e o outro, entre nossa pele e a pele do outro há um meio, que aparentemente é invisível como ar, mas toda ambiência carrega um peso, um valor, que desencadeiam atitudes e mudanças, dentro de nós, fora de nós, tal brisa morna, ou ventos de tempestades. Autopoiese é as mudanças determinadas em sua própria estrutura, e nunca é só responsabilidade de um agente externo, mas de como reagimos a ele. Como metabolizamos isso em nossas reflexotramas, com os tecitarmentos que vibram por todo corpo, positivos ou negativos, depende de como nutrimos as molecucituras do ar que respiramos.

 

 

 

Queremos agradecer Rossana Cilento, Silviane Lopes e Alexandre, se você esteve conosco no evento ou se por alguma razão chegou até aqui, nosso muito obrigado pelas experiências partilhadas. Até breve.

Reflexotramas & sementes

 

Reflexotrama & Sementes

Dia 11 de junho de 2021

Duração 3h 

Participações lindas de: Rossana Cilento, Silviane Lopes, Solange Soares, Christina Cupertino, Ruth de Oliveira, Glória Correia, Liduína Rodrigues, Maria de Fátima, Tereza Neuman, Vera Malaco, Ruth Vásquez, Taís (Tiide), Jair Soares Junior, Sandra Leite, Ana Paula Albuquerque, Cleuza, Manu Ebert, Dani Pizzato, Cristina Assis, Rute de Oliveira, Fernanda Amorim, Juliana Bolini, Mikka Wentz, Ana Lucia, Lucimar Mendes, Lucia Guaspari, Fernanda Fiorino, Andréa Dall’Olio, Ana Duarte, Patricia Brito, Eliete Gouveia, Sidônia Siqueira, Fernanda, Soraya Leite, Maria Roseni, Flora Cohen, Maria Parente, Marta Cunha, Rita Freita, Soraya Torres, Jeannine, Virgínia Fukuda e Parísina Ribeiro.

Foto Rossana Cilento


Fios-vida-tramas, entrelaços e pontas soltas, provocações.

Alexandre Heberte: leitura apresentação dos conceitos reflexotramas, tramarbolismo, tecitarmento, enerfio, molecucitura - texto lido: (pequena parte do Corpo-tecelão: produção conceitual):

      O que é o corpo-tecelão? É uma aglomeração de práticas que se formam no corpo de quem tece tecituras e reflexotramas: produz sujeito e objeto, trama experiências compartilhadas, linguagens e ninhos. O que se entende por tecelão vai além da sua clássica definição “sendo só aquele que tece pano ou trabalha no tear”. É aquele que se nutre das relações que nascem entre o corpo e os teares, ferramentas de trabalho, matérias-primas, técnicas do tecer, encontros na sala de aula, etc. É corpo que trabalha com todo o corpo, que recusa o trabalho solitário no ateliê e vai tecer nas ruas das cidades ou nas salas virtuais.

     Tramarbolismo é memória de alma e pele, de cheiros e toques, diz respeito ao conjunto de experiências da relação com a tecelagem manual e tramas experimentais que se acumulam, lenta e diariamente. Se inscreve no corpo quando o corpo se repara como tece (reflexotrama) os modos da autoperformatividade. Enquanto hobby a tecelagem serviu para me curar de fundo do poço, tecia sem pensar em nada. Tecer no escuro me ajudou ser diferente, ou no fundo, eu já era diferente.

     O que é reflexotramas e tecitarmento? Explico: reflexotramas é componente criado pelo corpo-tecelão para lidar com demandas. Envolve o trabalho de escuta, recuos, avanços e retrogradação; corpo que faz, desfaz, pensa, dá nós, desfaz nós, torna a pensar e se agencia a múltiplos trabalhos e compromissos. Basbaum contextualiza que “o reflexo não existe como cópia, vem a partir do outro”. Então, reflexotrama é também natureza das relações, feedbacks, respostas e questionamentos dos trabalhos desenvolvidos pelo corpo-tecelão, sobre as aparições do corpo, dos objetos tecidos expostos e como o corpo absorve e lida com tudo isso.

     Os escritos e pensamentos reflexotramas ajudam o corpo-tecelão criar tecitarmentos, fundamento necessário do corpo-tecelão para sua desterritorialização – uma dobra criativa sobre camadas estabelecidas do que pode ser a tecelagem. Tecitarmento é processo orgânico e lembra muito aquela sensação que temos ao sair do teatro, cinema ou exposição de arte, impactados, flutuando ou incomodados com a experiência. Alça o corpo-tecelão a uma condição auto-posicionante e auto referencial (Guattari). Fundamento para desfazer nós da subjetividade capitalista, que aprisiona outros corpos que tecem, robotizados na modelização imposta.

Praticar reflexotramas ativa os processos da molécucitura, que acontece no campo do tramarbolismo, como o ar que se respira, uma trama invisível entre-o-dentro-e-fora do corpo-tecelão, como um enerfio, cabo torcido de conexões de várias linhas que se ramificam para todos os lados, efeito gerador de forças que se instalam no corpo-tecelão, ainda difícil de explicar, mas sendo um processo, pode ser entendido como autocombustão de energia para fazer nascer aquilo que não existia, no tramarbolismo da experiência que se retroalimenta e cria condições para essa produção textual e produção de valor. Isto é, afirmar –se vivo na ambiência tecida nessa pele de corpo-tecelão.

     “Se viver significa aparecer é por que tudo aqui que vive tem uma pele, vive à flor da pele”, diz Emanuele Coccia, para ele pele e linguagem se entrelaçam em uma ligação profunda, diria ser relação de tempos imemoriais. Desde que peles de animais foram usadas como segunda pele e depois substituídas pelos tecidos manuais. Tempo que os homens organizam a linguagem e significado das imagens: das coisas visíveis, não visíveis e produzidas por ele. Então, o tecido manual é a forma criada e externalizada pelo corpo, são materialidade da subjetividade de qualquer pessoa que trame. Entretanto, cuidado para não cair no automatismo das ações. Tecer é como dirigir carro. Exige uma série de ações conjuntas que com o tempo se naturaliza no corpo, e o perigo está aí. Não saber mais para onde estar indo ou percorrer sempre o mesmo caminho.

     Existe um conhecimento anterior ao corpo-tecelão, que modela, norteia e oferece caminhos; essas tramas são substâncias imateriais, acessíveis a qualquer pessoa, que se predisponha a experiência do tecer. O corpo se conecta ao conhecimento imemorial. A matéria do aprendizado visível se conecta ao aprendizado invisível, se refaz. Se produz entre fronteiras e dobra-se nas texturas ficcionais atualizadas. A tecelagem ativada pelo corpo, acoplado a ferramenta/máquina tear. O tear-extensão-do-corpo-tecelão se transforma no dispositivo de suas múltiplas expressões. Essa movimentação do corpo-tecelão com o tear é o primeiro passo de iniciação. Toda familiarização com as técnicas apreendidas no corpo, ainda não garantem a produção de uma operação plástica, reflexiva e conceitual. O fio está solto. Então, como produzir sentindo nas dimensões material e conceitual?


Reflexotramas, por Rossana Cilento (pós live)    

Quando Alexandre nos convidou, Silviane Lopes e a mim para conhecermos e discutirmos novos conceitos criados por ele em um trabalho realizado no mestrado, que está cursando na UERJ, fui invadida por uma sensação de amplitude interna associada à percepção de possibilidades de expressão que o conhecimento proporciona num mundo novo que se apresenta e nesse contexto podemos e devemos assumir a cocriação desse mundo.

“O que é reflexotramas e tecitarmento? Explico: reflexotramas é componente criado pelo corpo-tecelão para lidar com demandas. Envolve o trabalho de escuta, recuos, avanços e retrogradação; corpo que faz, desfaz, pensa, dá nós, desfaz nós, torna a pensar e se agencia a múltiplos trabalhos e compromissos. Basbaum contextualiza que “o reflexo não existe como cópia, vem a partir do outro”. Então, reflexotrama é também natureza das relações, feedbacks, respostas e questionamentos dos trabalhos desenvolvidos pelo corpo-tecelão, sobre as aparições do corpo, dos objetos tecidos expostos e como o corpo absorve e lida com tudo isso”. Alexandre Heberte (2021)

 

 A partir dessa experiência ele nos propôs uma Live para a qual convidaríamos nossos amigos artistas para falarmos de nossas inquietações têxteis do momento.

Senti-me incluída em algo novo, em um movimento de tecer relações além da criação de objetos têxteis.

Para embasar nossa conversa, Alexandre enviou-nos alguns textos e vídeos, entre eles muito me impactou o vídeo de Grada Kilomba[1]: “Descolonizando o Conhecimento”. Ela nos mostra a importância do fazer, falar e publicitar como forma de conquistar território e pertencer. Ela apresenta uma performance sobre o estado de dor e exclusão das pessoas negras na história do mundo. Este modelo excludente, de mundo branco, europeu, masculino, me remeteu ao lugar da mulher tecelã, artesã, ignorada neste mundo. Enxerguei em Grada Kilomba, paixão e ousadia na determinação de ser um agente transformador do mundo, e o mesmo senti em relação ao potencial de nosso encontro Reflexo Tramas. Primeiramente pela criação ousada e apaixonada de Alexandre tanto nos trabalhos têxteis, como em seu modo de compartilhar seus saberes e conhecimentos e depois por ser um movimento ousado de escuta, a escutatória, como disse Rubem Alves, que envolve todas as pessoas presentes como coautoras da tecitura da trama afetiva do encontro, lançando uma semente de possível transformação de percepções, consciências e, portanto, ações.

“A aceitação do outro junto a nós na convivência, é o fundamento biológico do fenômeno social” e “sem amor, sem aceitação do outro junto a nós, não há socialização, e sem esta não há humanidade. ” Humberto Maturana.

Minha inquietação nesse momento, tecelã que sou há mais de 40 anos, é   a valorização do trabalho manual e têxtil.  Sentir e tecer já não me bastam, meu desafio agora é a pesquisa, o estudo, meu desejo é aprender como produzir conhecimento acadêmico a partir de mim, de uma vida, atualizá-los e compartilhá-los com o mundo da tecelagem manual. O corpo tecelão é um corpo que se cura, só é preciso aprender a falar sobre isso com fundamentos científicos.

Nosso encontro contou com 44 artistas, corpos que se colocaram presentes em seus momentos de fala; cada depoimento um fio único e precioso compartilhado com emoção, em total entrega e confiança para a escuta amorosa. A trama coletiva invisível que tecemos desde o primeiro instante em que o encontro foi sendo criado, nos envolveu a todos, foi como estar tecendo a vida entre pessoas apaixonadas, podendo sentir a criação que o ato de tecer proporciona. Experiência de tecer uma rede invisível, impalpável, que nos acolhe e nos potencializa quando nos entregamos à colaboração com o outro no ato de confiar no grupo, ser humano e atravessar junto a vida, afinal “todo ato de conhecer faz surgir um mundo” como nos recorda Humberto Maturana.

 

Reflexotramas, por Silviane Lopes 

     Encontro idealizado por Alexandre Heberte para tecer pensamentos e acessar nossos questionamentos. Como trabalhamos nossas camadas? Quais são as nossas dúvidas?

     Como mestrando da UERJ, nos apresenta sua pesquisa e nos convida a criar Tecitarmentos do Corpo tecelão e entender as Molecucituras,  termos que vem descrever esse sentir, fazer e viver imersos em fios e tramas experimentais. Uma grande honra para mim acompanhar de perto e estar nesse movimento que agrega e nos dá com diz o Alexandre “aquela sensação de quando visitamos uma exposição de arte” somos transformados pelas novas ideias, trama social que todo artista tece no seu entorno.

     Empolgada com essa provocação me veio o termo Afetocitura,  ligações invisíveis por amor aos Fios, as Artes e a Poesia, um tecido resistente que nos faz sentir “calor no peito”, como ouvi várias vezes nessa quarentena! Com a ajuda do digital, essas ligações se tornaram sem limites e urdiram momentos maravilhosos experenciado através dos meios digitais: Festival Fibra de Artista, 2020. Congresso de Artes Manuais na Academia, 2021, a belíssima revista e o mapeamento têxtil do Instituto Urdume. Foram exposições virtuais e lives que nos aproximaram dos trabalhos de artistas, aonde encontramos o sentimento de pertencimento que nos nutre a alma.

     Dentro do caminho que trilho a 25 anos, de amor à tecelagem e seu universo infinito de possibilidades, me sinto conectada a essa Árvore Genealógica Têxtil, um chamado para pesquisar técnicas dos povos originários, e como eles se entrelaçam, como uma linguagem fiada e tecida. A minha questão é: como criar ações para valorização e preservação desses conhecimentos ancestrais?

 Nas conversas que Alexandre, Rossana e eu fizemos no whatsap para organizar o encontro Reflexo Tramas de 11/06/21, recebemos vários textos que o Alexandre nos enviou como material de reflexão, no texto Autodescolonização - Jaider Esbell Makuxi[2] encontrei várias citações, definições que falam da conexão com a natureza e que ficaram como imagens na minha mente:

“Rastrear raízes profundas é um exercício que se faz quando se decide pela hora de enfrentar de fato as camadas de soterramento que a tentativa de apagamento depositou sobre os corpos coletivos”. “Percorrer o circuito entre a ancestralidade e a atualidade é navegar em águas revoltas” “Fenômenos de resistência são como olhos d’água”. Nessa última citação vejo a atuação do Alexandre, sempre nos chamando para criar a partir da liberdade, seu entusiasmo ao repassar seus processos, como um olho d’agua que encanta e inspira! 



Anotações afetivas, falas/questões suscitadas durante live. 

Rossana Cilento: provocação do voltar a estudar depois dos 60 anos. Os desafios da prática da leitura, dos esforços de eliminar bloqueios e desconstruir velhas crenças. 

Silviane Lopes nos provoca com a importância de pesquisar técnicas têxteis originárias. Dobrar o não saber e pesquisar as minúcias da produção tecida ao longo da história.  

Solange Soares costura leitura e sopra camadas do feminino na Grécia. Provoca a história. Diz: “as mulheres não ficavam só em casa”. Solange estuda o “mito da tecelagem e do tecido no mundo grego-romano” e a força da mulher com fio, linhas e agulhas na mão. (Ficamos de fazer uma live para ela nos contar mais sobre isso).  

Cris Cupertino: “era chato bordar”, pensou pela manhã. À tarde, abduzida pelo fio e linha, tramou-se de tecitarmentos... No corpo a subjetividade sensível das molecucituras em autocombustão, “autopoiese” – a vida ganhou novo rumo. 

Ruth de Oliveira: E quem não é tímido quando tem de falar em público? Um professor, que não sente frio na barriga antes de começar a interagir, deve estar anestesiado, com falta de estímulo. Ruth nos provoca com a pedagogia da liberdade, com as trocas possíveis, durante experiência do aprendizado (reflexotrama e tramarbolismo).  

Glória Correa: “O fio que une”, fio que cura, que organiza redes e sonhos. Glória também traz o retorno aos estudos (pedagogia transformadora das tramas experimentais, acrescento – eu aqui não paro de reflexotramar, risos). Como diz Silviane, são “afetocituras”.  

Liduina Rodrigues: Sabe essa coisa que o pensamento, pensa, imagina, deseja? A coisa se realiza, toma forma, os fios guiam e, quando você vê, os encontros acontecem! A provocação de Liduína é unir texto e trama. Sobrepor palavras e fios, achar suportes adequados, tecer livremente no bastidor do bordado, por exemplo.  

Maria de Fátima, linda Doutora, direto de Cachoeira na Bahia. Depois de anos dedicados às pesquisas, talvez uma vida descompromissada; provoca quais seriam outros modos de produção? Ainda relata interesse em pesquisar mais sobre as cestarias...  

Tereza Neuman apresenta relato lindo do seu tempo de infância, brincar de modelar barro não era coisa de menina. Quem disse? Quem pode nos dizer o que é certo ou errado? Quem está por trás dessas normas canônicas? Tereza divide conosco seus processos de criação e seu amor pela cerâmica e interesse de entrelaçar barro e fios.  

Vera Malaco já chega chegando, com sua frase: “sempre em busca, sempre perdida”, que eu amei muitooooo. Sua provocação é unir tessitura da música com as tecituras das tramas manuais.  

(Poesia, música, sonoridade, fio escrito, linhas melódicas, prosa.... Guardem isso!)  

Ruth Vasquez também nos provoca com sonoridade, as texturas dos fios que canta e encantam, riquezas do seu povo, memória da pele de infância, toda cultura ancestral (no corpo-tecelão, de quem tece, de quem vive na pele, de quem se deixa levar pelos tecitarmentos, pelo rebuliço das molecucituras, eu aqui com minhas reflexotramas, vocês aí com as de vocês...  

Há uma emoção na sala de zoom. Um desejo de unir arte e trasnversalizar conhecimentos. “Subjetividade do sensível”.  

Tais (Tiide), direto do México, descreve sua trajetória profissional e nos provoca sobre: como o fio pode ser transformador, linha de novos horizontes e recomeços.  

(Vale dizer que todas as pessoas citadas acima contaram sobre si, todos com o desafio de fazer isso em três minutos, risos). Muita gente linda junta e o lugar da escuta. Pilar necessário para acontecer reflexotramas, gerar tecitarmentos e provocar autocombustão das molecucituras.  

Jair Junior – Carmo do Rio Claro. Talvez sua maior provocação tenha sido como podemos fazer agenciamento entre o tradicional e o contemporâneo? Junior nos instigou pós pandemia fazermos algum evento na cidade de Carmo, um entrelaço de todos presencialmente, para promover encontro dos tecelões locais com novas ideias e dobras para o olhar sobre a tecelagem.

Conheci Carmo do Rio Claro, depois do primeiro trabalho que realizei para o estilista João Pimenta em dois mil e doze, acho. Fomos juntos até Carmo. A cidade tem uma importância muito grande na história dos tecidos manuais no Brasil, e naturalmente enfrenta os desafios de como resignificar esse papel na atualidade.  

Sandra Leite faz viagem ao Paraguai e volta com tear debaixo do braço, amo isso. Risos. Sandra chega com as mãos de Cora Coralina. A provocação dela é: tecer mais oralidades, libertar a poesia das tramas. Fazer “enerfio” – cadeia de redes de afeto a partir da palavra. Escrevo alto (penso alto, aqui).  

Parísina Ribeiro, o poder que os fios têm de unir, as pessoas, as histórias, os desejos, os corações, os fios que unem independente das técnicas, os fios estão sempre unindo. Seja uma trama reta ou circular, é o fio que promove os caminhos. Assim é a vida, as tramas se entrelaçam, é como o que está acontecendo aqui na rede, nesse nosso encontro virtual. Se fizermos um mapa de quem está aqui presente veremos bem isso acontecer no desenho dessa trama.  

Juliana Bollini – depois de tantos anos pesquisando e trabalhando com o papel, de volta ao Brasil, bem no começo da Pandemia, Bollini se viu diante encruzilhada: ceder ou não ao estado de depressão provocada peça situação; começa a evocar memórias a partir do toque com tecidos e fios, invoca lembranças das gerações de família que sempre trabalhou com tecidos; os fios e tecidos passam a ser suas ferramentas de resistência a esse tempo pandêmico. O tecido que resgata memória, tecido e palavra como reinvenção e resgate das memórias da pele. O fio lhe nos seus processos atuais.  

Ana Paula Albuquerque – “essas linhas que vão e vem” “histórias de vida que se entrelaçam” – as imagens tecidas, as imagens bordadas, como lidar com nossas imagens internas, como criamos imagens externas. Fotografia e tramas como processo de cura.  

Cleuza – fiz agora! E, nos mostra uma mandala na sala. Cleuza é poetisa. Cleuza vive em reflexotramas. Aceita o rebuliço dos seus tecitarmentos. Acho péssima ideia de tecer no arame. Entretanto, permitiu o contato da molecucitura, experimentou tecitarmentos da ação... hoje, nos trouxe paz com seu texto e nos brindou com linda troca de conhecimento e afeto. Simples e direta, poeta.  

Manu Ebert – “senta que lá vem bordado”. Eita” que babado! Que coisa mais linda. Olha isso.  

Aspas, o fio transformador, o fio contador de história, as tramas como nova profissão.  "Tramas-etc".  

Voltando a Manu Ebert, ela nos provoca com suas próprias reinvenções e como tem dado voltas e nós pelo mundo a partir de suas oficinas.  

(Me chama atenção que tanto Ebert quanto Tiide passaram por transformações de carreiras semelhantes, isto é, novas formas de vida através do tecido manual social e coletivo.)  

Dani, vixe não anotei sobrenome dela (me perdoe), depois vou rever vídeo do encontro. Dani nos traz “bonecas de cura”. (Chega de máquinas e órgãos que aprisionam gerações e gerações). Assim como Ebert, Dani é contadora de histórias. Trabalha com memórias e terapia, que nascem das experiências sensíveis de sua subjetividade tramada (pura reflexotrama em pelo tramarbolismo, não esqueçam!) Apresentou o conceito da “biodecodificação”.  

Eu não conhecia e fui pesquisar aqui rapidamente. Biodecodificação “é uma proposta de cura totalmente natural e inovadora. É também conhecido como “bioneuroemoção”. Trata-se de usar um método totalmente eficaz para poder recuperar a saúde independentemente do desconforto que possa surgir”.  

arte Silviane Lopes

Amores, bom demais isso.

Três horas voaram. Maria Roseni não conseguiu falar, não ouvíamos sua voz por problemas técnicos. Algumas pessoas precisaram sair da sala mais cedo e deixaram lindos recados no chat. Aliás o chat estava uma festa a parte. Não revi vídeo, São 13:43 do sábado, dia 12 de junho. Essa narrativa acima é de memória e pequenas notas que fui tomando durante a primeira Reflexotrama coletiva.

Meu Júpiter natal está em aquário. Mesmo em tempos pandêmicos é possível promover encontros seguros. Trocas de afeto. Porque Júpiter em aquário me orienta viver no coletivo, para o coletivo. Acabei de receber mensagem da minha irmã Lucimar, ela me escreve: “você conseguiu deixar as pessoas à vontade e conseguiu valorizar cada uma de forma natural”. Lucimar achou uma troca de experiências bem interessante e continua “provando que não existe idade para começar um dom que se tem” e não se sabe, ou que se deixa largado pelos cantos, acomodados na não ação. Depois recebi novas mensagens nas redes sociais da Cleusa, Bolini, só para citar. Rossana recebeu também tantas outras. Na segunda 14, Rossana, Silviane e eu voltamos a nos reunir para tramarbolismo os tecitarmentos gerados durante ação Reflexotramas. Ainda impactados de tanta lindeza que foi nos reunir para essa “escutatória” como nos lembrou a linda Cleuza. Obrigado Solange Soares pela atenção linda no sábado e primeiro olhar para o texto. Muito obrigado, Rossana Cilento e Silviane Lopes, pelo apoio, suporte e afeto para realização da primeira Reflexotrama coletiva. Obrigado, Gabi, da @arvoressencia, pelo zoom partilhado. Principalmente, obrigado a todos os presentes. 

 

Próximo dia 02 de julho vamos nos reunir novamente. Ficou nítido que a poesia quer ser lida, dita, cantada, tramada. Luxo!


Recebido por email pós live

"É com imenso prazer que recebemos essa devolutiva sobre o primeiro encontro Reflexotramas, coordenado por Alexandre Heberte, Silviane Lopes e Rossana Cilento. Há um ano  e três meses temos atravessado a pandemia e todo o contexto brasileiro, fortalecidos pelos laços fraternos e dando volta ao mundo entre fios e tramas, tecidas dentro e fora do "Planeta Teia". O encontro é um passo gigantesco, enquanto grupo pesquisador desse corpo-tecelão: tramamos, tecemos, refletimos sobre o tecido que cada nó que dá volta ao mundo se transforma num único tecido, rico pela diversidade de cada corpo que fala nos seus respectivos territórios. 
O fio está solto. livre para desenhar cada experiência . criando novas fiações, narrativas em formato de tramas têxteis ,  poesias , canções,  ou seja em qualquer outra linguagem que o  fio de cada um de nós  possa conduzir. 
Bjs no coração"
Gloria Correia
Insta: @gloriacoreeiaoficial 
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Adorei! 
"Subjetividade do sensível"
Gratidão! 💗

Ruth Peralta

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Bom dia para tod@s!

Que bom receber este texto tecido por tantas "mãos" palavras unido por um fio unico da curiosidade e vontade de aprender e partilhar.

Realizaremos muitas tramações!

Abraços bordados virtuais .

Parísina Éris Ilíade Tameirão Ribeiro
Professora de Artes / Artista Visual -Têxtil/ Mestra Bordadeira, Pesquisadora e Conselheira de Cultura




[1] https://youtu.be/iLYGbXewyxs (Descolonizando o Conhecimento)

[2] http://www.jaideresbell.com.br/site/2020/08/09/auto-decolonizacao-uma-pesquisa-pessoal-no-alem-coletivo/